Capítulo 8: Vadinho
"Ninguém cuidaria da existência do outro eu lá do Vadinho a, quem sabe?, lhe amargar a alma o tempo todo, por não ser. "
...Pássaro proibido de sonhar/ O canto macio, olhos molhados/ Sem medo do erro maldito/ De ser um pássaro proibido/ Mas com o poder de voar/ Mas com poder de voar — Caetano Veloso e Maria Bethânia – Pássaro proibido
Quem era este Vadinho, belo tipo galego, o mais velho entre nós n’A Turma, a que cedo deixou, ou fora deixado? Quem o cara que nos maquiava nos ofícios do Boi, cozinhava em acampamentos de pescarias e caçadas, criava pombos em casa, também uma jiboia, e fazia bugigangas em papel machê para faturar uma pila? Qual o Vadinho de dona Viática, zelosa mamãe, e seu Augusto, silencioso pai?
Cabelos amarelo-tostados, olhos cinza-azulados, em si não podia ser este ou aquele Vadinho, creio, então se escondia nos outros que ele era. N’A Turma eram vários e um só Vadinho, o que era mais ou menos aceito entre nós, mas de quem ninguém nem suspeitava, quando andávamos em bando. Quando objeto do desejo das meninas, guardava uma distância segura e adiava possíveis desfechos. Mas vez ou outra correspondia a carinhos, à maneira de logo escapulir, saltar de banda, dizia-se naqueles dias. Certa vez forçou um pouco a barra e desfrutou de uns amassos com uma linda prima do Lez, Francisquinha, quando foi convidado a um casamento familiar fora da cidade. “Esse seu amigo é um pimentinha, hein?”, riu-se a moça mais tarde com o Lez, eu soube.
Aqui e ali, a cidade zunia sobre Vadinho, sabíamos, e à custa de quem mais se aventurasse com ele por Senhora da Primavera. Confortáveis em companheirada, em bloco, fingíamos não dar valor a tais zunidos, chegávamos a deixar isso inteiramente à parte, por enquanto.
Nos últimos anos em que convivemos, com o garrote do cerco familiar apertado, e o zum-zum da cidade amplificado, surgiu um Vadinho namorador. Arranjou uma moça carnuda, a hippie bem de vida Liana Marzipã, irmã da fabulosa Lola Marzipã, e nos surpreendeu a todos ao desfilar com seu par fornido. Dava gosto ver o casal flanar pela Galeria Marajá, sorveterias, bares e festas, os dois à noite percorrendo a Principal, mãos enlaçadas, risonhos e falantes; onde passavam, eram cobertos pela sombra silenciosa da galhofa timorata; os botequins chiavam com a novidade. Um dia o idílio acabou. Vadinho largou daquela moda de namorar e a Marzipã sumiu no mapa. Correu à época que se mudara para uma comunidade alternativa de Arembepe, talvez, em outra versão, Jericoacoara.
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine ANTÔNIO SIÚVES | ESCREVIDAS para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.