Entrevista imprevista a Jumenteu
Taylor Swift, o megassucesso Grelo e a ginecologia estética como emblemas culturais de uma época
Jumenteu, o asinino ex-jornalista, hoje de profissão incerta, de regata listrada, bermuda bege e Havaianas, me acha num finzinho de tarde à sombra privê de uma carolina sempre em flor.
Eu escutava as “Cenas Infantis” de Schumann e tinha uma latinha verde de cerveja sem álcool sobre nossa mesinha branca, além de um caderno espiral de capa verde e uma Bic verde.
Jumenteu me abraça desajeitado, puxa uma cadeira e se abanca. Me diz que quer ir logo ao assunto, ao “negócio”, que é um “papo reto” sobre a “dependência do tempo e a busca vã da autenticidade”.
Surpreso, chocado com a própria figura de Jumenteu, assinto com um aceno, e ele aciona o gravador de um caquético Nokia.
Dias depois me manda nossa conversa transcrita com um bilhete no zap, “publique se quiser, o que quiser.”
Apenas dei uma penteada no material que se segue. É tudo verdade.
Jumenteu: Cerveja sem álcool, mano, que milagre é esse?
Escrevidas: Bebo à saúde da ciência médica fundamentalista. Porque temo a ciência como antes se temia a Deus. A humanidade acaba de saber — não soube? — que um único traguinho na vida, uma olhadinha de nada que seja, um flertezinho de viés com uma bebida alcóolica pode dar Kanzer, como escrevia e, aliás, também falava o Glauber.
J. : Quem?
E. : Glauber Rocha, não se lembra do gênio baiano, diretor do “blockbuster” “Cabezas Cortadas”.
J. : Se ninguém mais sabe quem foi Glauber, eu que saberei? Passo a seguir a ética de tempos ateus. Ninguém mais acredita no passado; quando acredita, não aceita, contesta até a morte ou quer reescrever tudo “como le gusta”. E somos dependentes do tempo, não há que fazer. Mas me faça a gentileza de me servir uma bebida decente, um duplo do que seja.
E.: Acho que ainda tenho alguma coisa na despensa. Por sua conta e risco. O Vaticano se mobiliza para instituir de vez o suco de uva na eucaristia, dada a perda epidêmica de vigários por ingestão de vinho no altar.
Jumenteu se alegra com o Jack Daniel's duplo e puro que eu lhe trago, e passa a bebericar o burbom com excelente boca.
J. : O que você está lendo?
E. : “Sein und Zeit”.
J. : Martin Heidegger? Nossa. Não brinca. No original?
E. : O que você acha? Neneca, menino. Releio o clássico "O Alquimista", enquanto aguardo a tradução dos poemas da Taylor Swift, este ícone da persistência da infância na adolescência prolongada.
J. : Nenhum autor brasileiro novo, uma dessas revelações ao gosto da época que os cadernos literários trazem a toda hora?
E. : (Risadas) O último caderno de livros, que embrulhava o serviço de um pet, se decompôs no lixão. Faz mais de dez anos. Virou gás carbono e contribui para o aquecimento do planeta.
J. : De minha parte, anseio pela primeira obra vanguardista escrita pela inteligência artificial. Parece que Google e Microsoft disputam com Elon Musk uma corrida tech pela façanha. O Musk deve ganhar o páreo. Não vai ler nem a capa do romance, mas, sim, vai pousar de herói anti-humanista para seus fãs biliosos em todo o mundo.
E. : Você pranteou o Sílvio?
J. : Pranteei. Guardo numa canastra velhos carnês do Baú da Felicidade, quitados, com aquelas capinhas rosadas inscritas em amarelo, e tenho, quebrados, é verdade, num depósito, uma enceradeira Electrolux e um liquidificador Arno que retirei nas lojas do Baú.
E. : Por onde você tem andado?
J. : O entrevistador sou eu. Deixa que faço as perguntas.
E. : Não me escoiceei, por favor. Sou de compleição muito frágil.
J. : Até parece. Mas me diga: você curte mesmo a Taylor Swift ou faz média de velhote vivaz ligado às modas e rodas de hoje em dia?
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