No sumidouro digital
Cada leitora e leitor é uma sorte e uma graça + saudades do matão + saudades do Jô
Então começo.
Então recomeço.
Escrevo a diário, quase, com mais gosto pelas manhãs, mas também às tarde e à noitinha.
Termino este texto já perto da publicação, às quintas-feiras, ali pelo meio-dia.
O escrito, então, surge na internet, imaterial como o éter.
Não há, como antes, quando havia jornais, nada que tatear, recortar, grifar, segurar, dobrar, levar conosco. Não há o cheiro da página impressa.
Um arquivo digital é uma não-coisa, diria o camarada Byung-Chul.
É uma representação eletrônica que enche caixas postais e disputa nossa atenção com toda sorte de assinaturas, notícias, correspondências, propaganda e marketing.
Também entram no páreo, por nossa atenção, redes sociais uma panóplia de aplicativos.
O que é um texto, por mais distinto que seja, nesse areal eletrônico, na nova ordem do mundo?
E a própria palavra, que status tem?
(Quando se anuncia o armagedon da inteligência artificial, é de se perguntar pelo próprio status do ser humano.)
Com essa hiperoferta de “conteúdo” digital, um parágrafo, um verso, uma frase, sejam de Rosa, Machado, Drummond ou Belchior ainda nos chegam verdadeiramente aos sentidos?
Entendo por “verdadeiramente” aquilo que conseguimos sentir, interpretar e reter.
Sei que cada leitora e leitor é uma sorte, uma graça no sumidouro digital.
Que me lê, lê quase sempre via email, na versão newsletter da coluna.
Não pesco lhufas da sociabilidade na rede Substack, nos domínios do app.
Me sinto analfabeto, ágrafo diria Antônio Houaiss (1915-1999), em relação, me perdoe o palavrão, à comunicabilidade online.
A linha de tempo do aplicativo equivale a de outras redes, ainda que aqui tenha um propósito, ao menos aparente.
Há no Substack jornalistas, escritores, poetas e propagandistas dedicados à inestimável variedade de temas que cabe no mundo, milhares de milhões de interesses, todos a buscar seu leitorado.
Quase sempre são jovens ou muito jovens em meio a celebridades, grifes do jornalismo, da política e das artes.
Sou um vovó nessa mídia, uma espécie de condenado à diáspora, um exilado exibido da fantasmagoria analógica.
Como na autoparódia de Antônio Maria (1921-1964), “ninguém me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama de Baudelaire...”.
*
Mas começo
Mas recomeço.
Está é a trigésima primeira edição dessa coluna.
Devo muito e principalmente ao poucos assinantes pagos que reconheceram meu trabalho e decidiram estimulá-lo.
Escrever a vida — vidas — nesse Escrevidas é por onde ando, um tanto fora de curso, a esperar pela aposentadoria, isso por um lado.
Por outro, sigo meu próprio rumo, que não é certo nem errado.
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine ANTÔNIO SIÚVES | ESCREVIDAS para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.